"Não se escandalize. Jesus venceu a morte, ele ressuscitou".
Pintada com tinta vermelha no verso da tampa do caixão preto encostado na
parede, a mensagem serve de advertência a quem chega à igreja Metanoia,
no Rio de Janeiro.
Não é à toa. Cunhada pelo seu fundador, o pastor Enok Galvão de Lima, 52, a
frase ajuda a explicar as cruzes negras penduradas no teto, os desenhos de
caveiras e a decoração sombria do lugar.
Direcionada aos amantes do rock 'n roll, principalmente do heavy metal,
a igreja evangélica completa 25 anos de fundação em 2015 tendo se estabelecido
como um reduto de cristãos pouco --ou quase nada-- ortodoxos. Quem sobe os 40
degraus que levam ao terceiro andar de um prédio de esquina, na rua da
Proclamação, em Bonsucesso, dentro do Complexo da Maré, zona norte da capital
fluminense, logo se depara com uma placa que convida: "entrai-vos,
mortais".
A história da Metanoia começa em 1980, com a entrada do rock na vida de
Enok. O então jovem de 17 anos que não tinha religião e havia se mudado com a
família de Natal para o Rio de Janeiro quatro anos antes conheceu em festas a
música de bandas como Beatles, Rolling Stones e Creedence Clearwater Revival. "Eu
ouvia muito, mas era bem fraquinho".
Ao descobrir bandas mais pesadas, como o Black Sabath, entrou de vez no
mundo do heavy metal. "Minha vida era o rock 'n roll e tudo o que a vida
oferece: álcool, maconha, alucinógenos… Traçava tudo o que rolava na
época". Um dia, em 1983, recebeu o convite de um amigo de Bonsucesso para
ir a um culto da Igreja Evangélica Congregacional. "Fui, gostei e aceitei
a proposta", conta. "Só não larguei o rock".
Sete anos depois, em 1990, sentindo que "a galera do heavy
metal" não tinha acesso à palavra de Deus, tomou a decisão de fundar uma
igreja que pudesse acolhê-los. "Por ser roqueiro, eu percebi que o pessoal
do rock teria como vir para Deus associando a cultura e a música dentro do
evangelho. Para a gente, o heavy metal não é coisa do diabo. Somos seguidores
de Jesus, sem os dogmas e a paranoia de religião", afirma. No princípio,
as reuniões aconteciam em uma pequena sala. Anos depois, houve uma mudança para
um espaço um pouco maior.
A ida para a atual sede, de aproximadamente 240 m², aconteceu há dez
anos. Dentro do espaço, cujo aluguel de R$ 1.000 é pago com o dízimo dos fiéis,
a maior área é onde acontecem os cultos (aos domingos, das 18h às 21h), as
reuniões de orações (às quintas-feiras, das 20h às 22h) e os eventos musicais
(com shows de três bandas de heavy metal, "cristãs ou seculares", uma
vez por mês). Existe ainda um camarim para os grupos, uma cozinha e um
banheiro. No imóvel, Enok guarda colchonetes e roupas de cama para seguidores
que morem longe ou não tenham onde ficar. Alguns deles chegaram a viver no
espaço por dois anos.
Atualmente, segundo Enok, a igreja reúne cerca de 30 fiéis. No passado,
o número já foi mais de três vezes maior. E a que ele credita a redução da
frequência? "Na minha visão, a pressão do mundão aí fora é muito
forte", resume. Apesar do visual "underground", a Metanoia segue
regras. "No evangelho, a própria palavra de Jesus ensina que não devemos
nos embriagar, que o nosso corpo é o templo de Deus. Então tudo aqui que vem para
nos destruir, a gente evita", diz, referindo-se às drogas. O pastor também
recomenda que os fiéis evitem o sexo antes do casamento.
Transformação da
mente
O nome escolhido para batizar a igreja é uma palavra grega que em
português significa "transformação da mente" –"no contexto do
metal, encaixou bem", comenta Enok. Por todos os lados da Metanóia há
menções ao versículo 2 do capítulo 12 da carta de Paulo aos Romanos: "Não
vivam como vivem as pessoas deste mundo, mas deixem que Deus os transforme por
meio de uma completa mudança da mente de vocês".
Fã de heavy metal desde os 12 anos, a professora de educação física
Tainá Mendonça, 27, frequenta a Metanóia há uma década. Foi em um show na
Metanóia, em 2008, que ela conheceu o marido, que tocava na banda convidada
para o evento. O casamento foi celebrado por Enok, anos depois. Inspirada pelos
companheiros da igreja, aprendeu a tocar guitarra e montou uma banda de heavy
metal, a Mortarium, que canta temáticas evangélicas. "No mundo do metal
existe um certo preconceito por sermos cristãs", conta. Entre outras
correntes evangélicas, os fiéis da "igreja do rock" também relatam
discriminação.
Na Metanoia, no entanto, não há espaço para a intolerância. "Já
chamei pastores de outras igrejas evangélicas, como a Assembleia de Deus, para
pregar aqui. Também já veio mãe de santo aqui. Homossexual vem de montão e é
sempre muito bem-vindo. Se eu pudesse encher isso aqui de gay, de travesti,
seria ótimo", afirma Enok. "Para ouvirem a palavra de Deus, é
claro", enfatiza.
No fim da década de 80, o bateirista Edson Neves, 43, tocava em bandas
de heavy metal e sofria por conta do abuso de álcool. Convidado por Enok, que
frequentava seus shows, "conheceu Deus" e se livrou do vício
--"um milagre". Depois de anos dedicado a outra igreja evangélica e afastado
da música, passou a frequentar a Metanoia e, este ano, começou a tocar no grupo
de louvor.
A cantora da banda, que está gravando o primeiro álbum, é a carioca
Denise Ramos de Carvalho, 48, que vem a ser a "primeira-dama" da
Metanoia. Integrante de outra igreja evangélica alternativa na juventude,
conheceu Enok há 15 anos e tem com ele um filho de 13. Entre as músicas que
cantam nos cultos, quase todas autorais, --"pesadas como a gente
gosta"-- está uma composição de um dos fiéis: "o bom e velho rock 'n
roll / é criação de Deus / dado aos seus filhinhos / para o seu louvor".
Para Enok, o maior exemplo para os metaleiros cristãos é justamente a
figura do filho de Deus. "Jesus é totalmente sombrio. Para nos salvar, ele
usou a própria morte. É o senhor da luz e das sombras", declara.
"Hoje em dia, ele certamente teria uma uma banda heavy metal. Seria o
primeiro maluco a pegar o microfone".